terça-feira, 29 de outubro de 2013

http://globoesporte.globo.com/radicais/surfe/noticia/2013/08/fa-de-surfista-sem-braco-cadeirante-quer-guinness-por-encarar-pororoca.html)

Fã de surfista sem braço, cadeirante quer Guinness por encarar Pororoca

Inspirado em Bethany Hamilton, cadeirante Andrezinho Carioca, que já foi até atleta do remo, quer surfar onda para tentar entrar no Livro dos Recordes

Por Rio de Janeiro



No ano passado, o surfista Andre Melo de Souza tornou-se o primeiro cadeirante a encarar a Pororoca no Maranhão. Ohttp://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=XGbks0k3eoo feito já era algo bem difícil de imaginar, principalmente para um atleta paraplégico: encarar as águas escuras recheadas de animais como piranhas, jacarés e cobras e atravessar as matas hostis não parece nem agradável, muito menos fácil de se fazer. Mas agora o atleta de 34 anos quer alçar voos mais altos. Fã da americana Bethany Hamilton, que perdeu um braço após ser mordida por um tubarão, Andrezinho Carioca vai enfrentar novamente a onda que nasce do encontro das correntes fluviais com as águas oceânicas. Desta vez, no Amapá, onde é mais extensa e perigosa. O motivo? Entrar no Guinness Book, o Livro dos Recordes.
Surfe Andrezinho Carioca canto recreio (Foto: Arquivo Pessoal)
Enquanto se planeja para a façanha, ainda sem data certa para ocorrer, Andrezinho Carioca surfa divulgando as marcas que o patrocinam ao lado de seu treinador Guga, que entra na água com ele. O carioca se prepara para a missão que, segundo ele, não é nem de longe como surfar nas praias, mesmo nas mais perigosas do mundo.
- Você precisa de quem te coloque lá dentro. Se você quer surfar na Indonésia, Costa Rica, Austrália e Pipeline, é só ter dinheiro. Você avalia seu nível de surfe e vê até onde pode ir. Na Pororoca, precisa de mais que dinheiro. Você precisa estar com alguém que conheça a região. Tem muitos bichos. Ninguém fala: ‘Semana que vem vou surfar a Pororoca’. Pega a prancha e vai. Precisa de jet skis, de uma embarcação, de pessoas que conheçam muito bem o local - relatou o surfista, lembrando da experiência de 2012.
Andrezinho Carioca posa ao lado de prancha adaptada na Prainha, no Rio de Janeiro (Foto: Vinícius Boneco)
- Eu ia sair daqui com um grupo que vai junto, pronto há meses. Alguns dias antes da viagem, o cara da organização disse que não ia ter mais porque eles furaram. Eu liguei para o presidente da AABRASPO (Associação Brasileira de Surfe Na Pororoca), que não acreditou que eu iria sozinho. Ele me disse que se eu aparecesse lá, ele ia me botar na onda nem que tivesse que entrar no rio e me empurrar para dentro dela. Mandei até a cópia da minha passagem para provar que não estava mentindo - brincou o surfista, que produziu um vídeo lembrando momentos como o acidente, o surfe na Pororoca e a trajetória no esporte em geral (confira as imagens produzidas por Andrezinho acima).
Eu já não sentia as pernas há uns dois dias, estava me conformando"
Andrezinho Carioca
Andrezinho Carioca surfista adaptado (Foto: Vinícius Boneco)
Andrezinho Carioca ficou paraplégico em 2000, aos 21 anos, em um acidente de moto. Na época, era noivo e ainda estava na escola, pouco após dar baixa no exército, onde serviu por um ano. No hospital, ficou sabendo que viveria em uma cadeira de rodas. Mas sua reação não foi de desespero. Como normalmente faz, ele tentou buscar o lado positivo. Ao ver a chamada das Paralimpíadas de Sidney, na Austrália, na televisão do quarto do hospital, decidiu que seria um atleta paralímpico.
- O médico esteve no meu leito e disse: 'O seu caso é grave e você sofreu uma lesão na medula. Mas, além disso, teve uma fratura de três vértebras, que esfarelaram. Temos que fixar sua coluna para te tirar do risco. Vamos fazer de tudo para você ter uma vida melhor na cadeira de rodas'. Ele foi direto, objetivo, passou o recado. Eu já não sentia as pernas há uns dois dias, estava me conformando. Fiquei com aquilo na cabeça e vi umas chamadas na televisão das Paralimpíadas. Aquilo me chamou a atenção. Minha mãe veio me perguntar o que o médico tinha me falado, ela estava preocupada com o que eu ia sentir. Eu falei: 'Ele disse que eu vou ser um atleta paralímpico' - comentou o carioca que, antes do acidente, curtia andar de skate e fazer rapel.
Andrezinho Carioca surfa no Canto do Recreio, no Rio de Janeiro (Foto: Arquivo Pessoal)
Depois da tragédia, veio o período do vai e volta no hospital. Andrezinho Carioca adquiriu uma infecção hospitalar e quase morreu. As febres não paravam. Quando pensou que o pior fosse acontecer, mais uma vitória. Aos poucos, ele foi melhorando. Assim que ficou 100%, pôs em prática seu plano de ser atleta. Primeiro, conheceu a treinadora de ginástica Georgette Vidor, também cadeirante após um acidente de ônibus em 1997. A ela, que era deputada estadual, pediu uma cadeira especial para ser corredor. A técnica não conseguiu realizar o pedido, mas abriu portas para ele, chamando-o até para ser seu assessor parlamentar.
Mais tarde, encontrou a treinadora Sandra Perez, que fazia um trabalho de basquete e handebol adaptado no batalhão dos guardas, onde Andre havia servido antes do acidente. Ele conta que muitos dos cabos de quem foi colega se espantaram com o fato dele estar em uma cadeira de rodas por conta de sua aptidão física, a melhor do grupo antes do acidente. Andrezinho Carioca ainda voltou a estudar: terminou a escola e iniciou uma faculdade de Direito.
 
Andrezinho Carioca surfista adaptado (Foto: Vinícius Boneco) 

Puxado pelo técnico Guga, Andrezinho Carioca desce rampa rumo à água (Foto: Vinícius Boneco)

Depois, conheceu um projeto social para remadores cadeirantes e logo se destacou. Passou por Vasco, Botafogo, Flamengo e até a seleção brasileira. Só parou quando sua treinadora teve filho e precisou ficar focada na família. A partir daí, seus treinos eram passados por telefone, fato que o desanimou aos poucos e o fez largar as competições. Por meio de Ronaldo, um amigo cadeirante que também remava, ele conheceu a "Adaptsurf", um projeto social para surfistas adaptados. E desde o dia em que entrou no mar a primeira vez, quer estar lá dentro sempre (no vídeo acima, há imagens de Andre na estreia nas águas, na Praia do Pepê, na Barra da Tijuca).
- Eu não entendi nada, a gente não mexia a perna, por que iria ter prancha de quilha? Procurei na internet e achei a "Adaptsurf". Conheci o Felipe Nobre, um dos fundadores. Marquei uma aula experimental, fiz, curti e passei a ser um frequentador assíduo. Fui o primeiro aluno que quis fazer daquilo sua vida. Dá trabalho. Para chegar na água, preciso de um cara que vai montar minha cadeira de praia, entrar comigo no mar. Mas é muito gostoso estar lá dentro, é o lugar onde sinto mais liberdade. Não preciso ficar toda hora sentado. Ou eu estou em cima da prancha, ou largo a prancha e nado. É meu contato mais próximo com Deus - afirmou Andrezinho Carioca, mostrando a prancha adaptada, com três quilhas de borracha, para não se cortar; um deck para ficar com o peito levantado, já que não tem sustentação na dorsal; e alças para prender as mãos e dar a direção ao equipamento na onda.

Andrezinho Carioca anda com cadeira na pista automotiva (Foto: Vinícius Boneco)

Andrezinho Carioca surfista adaptado (Foto: Vinícius Boneco) 


Mas a prática do surfe adaptado não é fácil. Segundo Andre, falta acessibilidade. Na Prainha, onde costuma surfar no Rio de Janeiro, existem duas vagas para deficientes, além de uma rampa. No dia em que o carioca encontrou com a reportagem do GLOBOESPORTE.COM no local, um carro estava estacionado bem em frente ao acesso da areia para cadeirantes. Ele precisou conduzir sua cadeira pela pista até chegar em outra entrada possível, mais à frente. Além disso, uma mulher parou seu veículo em uma das vagas reservadas. Ou seja, além da estrutura, falta respeito das pessoas.
- Não é muito comum você ver pessoas com cadeira de rodas na praia. A acessibilidade é difícil, é bastante complicado - lamentou Andrezinho.
Inspirações são surfista sem braço e palestrante motivacional sem membros
Para superar o fato de não ter os movimentos das duas pernas e as dificuldades dentro do mar, Andrezinho Carioca se apega às figuras de Bethany Hamilton e Nick Vujicic. A loira de 23 anos é o maior ícone de superação para ele. Aos 13 anos, a havaiana sofreu um ataque de tubarão em Tunnels Beach e perdeu um braço. Mesmo diante dessa situação, tornou-se surfista profissional e compete com atletas que não são deficientes.

Ela chegou a ser terceira colocada no Rio Surf International, disputado no Rio de Janeiro, em 2009, e segundo no Campeonato Mundial Junior, na Austrália, no mesmo ano. Fascinado, ele revela que a conheceu no evento carioca e tirou foto com ela. Namorador, Andrezinho Carioca conta que se encantou com a musa, que é casada com Adam Dirks.


Surfe Andrezinho Carioca e Bethany Hamilton (Foto: Arquivo Pessoal)   
Bethany Hamilton encontrou seu fã Andrezinho Carioca no Brasil (Foto: Arquivo Pessoal)

- Tenho muitos ídolos do surfe. Mas a primeira imagem que vem na cabeça é da Bettany Hamilton. É a maior história de superações. Ela tinha 13 anos, um período em que a mulher começa a tomar corpo, se interessar por vaidade, cultuar o corpo, e foi acometida por um ataque de tubarão que arrancou o braço dela. Muito mais que voltar a surfar, foi a situação de passar por cima daquilo tudo. Ela não tem o braço. Rema com um braço só, dá o golfinho, surfa disputando no surfe convencional com as meninas que têm os dois braços. Ela desenvolveu uma forma de ficar em pé na prancha, remar, se adaptou. Ela é o ícone e é linda. Pena que o pai dela estava sempre do lado aqui no Rio - disse, abrindo o sorriso, em relação à surfista cuja vida até deu origem ao filme "Soul Surfer", estrelado pela britânica Ana Sophia Robb, em 2011.

Em um vídeo na internet, Bethany Hamilton ensina Nick Vujicic a surfar. O australiano também tem uma história bastante emocionante de superação. Nascido sem os braços e as pernas por conta da Síndrome de Tetra-amelia, doença caracterizada por uma falha na formação embrionária, ele teve uma infância bastante difícil. Mas deu a volta por cima, e se formou em Contabilidade e Planejamento Financeiro. Aos 17 anos, lançou a "Vida sem Membros", uma organização sem fins lucrativos que dá palestras motivacionais ao redor do mundo. Além disso, ainda pratica esportes, como natação e surfe.
- Eu queria ter conhecido ele. Ele esteve aqui na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro. É uma história de vida sensacional - concluiu Andrezinho Carioca, sem perder o sorriso no rosto que é sua principal característica.

http://globoesporte.globo.com/radicais/surfe/noticia/2013/08/fa-de-surfista-sem-braco-cadeirante-quer-guinness-por-encarar-pororoca.html

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